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A ORIGEM METAFÍSICA DAS ALTERAÇÕES CONSTITUCIONAIS, SEGUNDO KENT

Filosofia

2o ENCONTRO SUDESTE DE HOMEOPATIA

A origem metafísica das alterações constitucionais, suas manifestações e reflexos no organismo humano segundo JT Kent

Dr. Claudio C. Araujo MD, FFHom (Lon)

Primeira Parte: Constituição e Metafísica

É sabido que J.T. Kent utilizou, ao longo de suas “Aulas de Filosofia Homeopática” questões que dizem respeito ao que ele chama de “mundo das causas”, mundo esse que podemos entender como algo anterior ou “causal” à nossa existência, no sentido mais objetivo. Quando Hahnemann atribuiu à origem das doenças crônicas verdadeiras (os miasmas) a um estado dinâmico, imaterial, somente perceptível através de suas manifestações no mundo físico (através dos sinais e sintomas) estava dando início às diversas interpretações metafísicas de sua teoria miasmática, interpretações essas que tiveram Kent como seu primeiro e principal pensador.

Kent se baseia, na maioria das vezes, em Emmanuel Swedenborg, filósofo sueco do séc. XVIII, que por sua vez havia criado uma filosofia baseada em três pilares: o  Panteísmo, (a noção de que Deus está presente em todo o Universo, e por conseguinte em todas as coisas do mundo físico, inclusive nós mesmos), o Pampsiquísmo (que parte do princípio de que todas as partes do Universo têm consciência, são vivas, daí o mundo poder produzir criaturas vivas) e a Teosofia, uma combinação de transmigração das almas, o acreditar na existência do mundo espiritual (a Quarta dimensão), a negação de um Deus pessoal e finalmente, a fraternidade entre os homens.

Kent afirma que a origem da doença humana estaria no mundo das causas (metafísico) e a evolução/manifestação dessa questão metafísica no mundo das consequências, na Physis dos filósofos.

Hahnemann, no parágrafo 5, fala da constituição física evidente do paciente, em conjunto com seu caráter físico e intelectual, suas atividades, sua forma de vida, seus hábitos, sua posição social, suas relações familiares, sua idade, sua vida sexual, etc, como fatores a serem estudados em conjunto, para que pudesse ser determinada a causa anterior àsmanifestações físicas da doença, no caso aqui, principalmente, as crônicas.

A partir daí podemos entender Kent tanto em sua análise metafísica da origem da doença, análise esta que está descrita principalmente nas suas “Aulas de Filosofia” quanto a sua noção de Constituição, presentes no estudo dos medicamentos e na anamnese do paciente. Podemos encontrar esses exemplos de estudo constitucional em vários medicamentos do seu livro “Lectures of Materia Medica”. 

Nessa primeira parte, vamos abordar a origem metafísica kentiana da doença humana, dos elementos metafísicos que, segundo Kent, existem por trás da Ciência Homeopática.

Quando falamos de uma metafísica homeopática, estamos nos referindo às causas dinâmicas patológicas que não podem ser vistas mesmo pelos mais modernos instrumentos da Ciência, mas apenas pressentidas pela Razão. Seria em vão uma tentativa de provar por meio da Ciência moderna, através de aparelhos e análises moleculares, as idéias de Kent sobre a origem da doença, uma vez que elas partem do pressuposto de que é a observação empírica Racional, que se traduz e se expressa através de um modelo lógico, quem vai propor essas origens. 

Devemos então, em nome da Racionalidade, analisar as propostas de entendimento desse modelo metafísico kentianosegundo as bases racionais da Filosofia vindas desde Aristóteles chegando até aos empiristas ingleses do séc. XVII.

Kent nos sugere que - o que Hanneman está propondo como “constituição” (ou seja, o conjunto de alterações mentais, gerais e físicas do ser humano) - é somente o resultado, na Physis, de uma mente primitiva, primordial, um modelo anterior à nossa Era, que por ter entrado em desacordo com as Leis Divinas, já estava doente em si mesmo, sendo então as manifestações físicas, as alterações constitucionais, somente a expressão do desequilíbrio dessa mente. 

Kent critica duramente os homeopatas que tentaram anexar modelos constitucionais generalistas, anteriores à Homeopatia, afirmando que o que existiria seria uma “constituição individual”, formada a partir das alterações, no Homem, da sua Vontade e do seu Entendimento quanto `realidade. E já que, se o que se passa no corpo físico, ou seja, os sintomas e alterações patológicas - são somente a consequência, devemos nos aprofundar, ou melhor, focalizar toda nossa pesquisa e estudo nos sintomas mentais.

Não podemos deixar de citar aqui que, segundo Kent, a susceptibilidade às doenças, até mesmo aos miasmas, advém da “aura” gerada pelo Homem devido ao rompimento com as Leis Divinas. No modelo racional Swendenborgiano, Deus (a Arché) permeia o Universo com Seu Amor e Sua Sabedoria, fluindo do mundo das causas (metafísico) através do Influxo, até a Physis, o mundo físico, o mundo dos fenômenos conhecidos como naturais.

Kent: “Quando o homem é insano no seu interior é somente uma questão de tempo para seu corpo tomar para si os resultados dessa insanidade, por que o interior do homem forma o seu exterior” (Lect. V)

Parte Segunda: Contituição e Organismo.

Constituição, uma vez entendida per se, é o próprio organismo, nosso estado manifesto como seres humanos.

E assim como Kent afirma ser a constituição algo individual, próprio de cada ser humano, criada e transformada segundo o nosso maior ou menor grau de alinhamento às Leis Divinas, Kent também afirma que cada medicamento representava uma forma individual, particular, de romper com a Lei. E que estariam também representadas, em cada medicamento, as consequências do ato de rompimento com as Leis, ou seja, os sintomas mentais, gerais e particulares subsequentes e as alterações constitucionais.

Na verdade, no estudo da Materia Medica, Kent vai buscar o que fora pedido por Hahnemann no par. 4 do Organon, e que se complementa no par. 5:

“O médico será então o preservador da saúde, se ele souber das coisas que a perturbam, que causam ou mantêm a doença,...” (par.4)

“.....e as mais significantes fases na evolução de uma doença crônica, de longa duração...” (par. 5)

Kent irá então desenvolver uma técnica de estudo da Materia Medica capaz de exatamente perceber o início da patologia individual, prever as fases seguintes ou mesmo as fases mais destruidoras da doença individual/constitucional, enfim, as fases fisiopatológicas da doença física, manifesta. A isso ele chama de constituição, ao remédio que contém todas as fases da doença orgânica do paciente ele chama de remédio constitucional.

Podemos também estender o conceito kentiano para uma linguagem atual, afirmando que, num determinado indivíduo, sua constituição seria a totalidade de suas possibilidades patológicas, tanto as já desenvolvidas quanto as ainda passíveis de serem desenvolvidas.

Isso vai nos afastar das classificações constitucionais que tentam agrupar, homens e patologias, em grupos fenotipicamente semelhantes.

“É um erro fatal classificar constituições, já que nem duas são suficientemente similares, quando observadas por um genuíno homeopata, para que se possa formar ao menos uma classificação simples, comum”.

Quando Kent nos fala de constituição no medicamento, ele está nos chamando a atenção para o fato de que um determinado medicamento, para curar uma certa patologia individual, deveria demonstrar, na experimentação, possuir a mesma natureza formativa patológica da doença individual. Não seriam suficientes os sintomas individualizantes, mas o potencial patológico também deveria estar presente, ou o medicamento não seria capaz de reverter o quadro de doença. Essa idéia vai de encontro às noções hahnemannianas miasmáticas, quando, nas “Doenças Crônicas” Hahnemann afirma que havia selecionado um determinado grupo de medicamentos anti-psóricos, sem os quais não se poderia remover a doença psórica do organismo. Ou seja, se um determinado medicamento não pode “formar“ uma determinada patologia, não pode também curá-la.

Conclusões:

É essa a noção constitucional de Kent, a partir de sua racionalidade metafísica. Cada ser humano é o que vive interiormente, sendo seu exterior o reflexo do seu interior. Não nos é dado a chance ver esse interior, nos sendo dada somente a oportunidade de ver as “consequências” refletidas no seu corpo, na Physis. As alterações assim estabelecidas seriam, para Kent, as alterações constitucionais individuais, fruto da inobservância humana às Leis Divinas. A constituição se expressa através de seus sintomas mentais, gerais, particulares e finalmente através das alterações teciduais, as lesões orgânicas.

Os sintomas mais sutis, os que indicam as atitudes de rompimento com a Lei, vão com o tempo e o desenvolvimento dos estados patológicos orgânicos, desaparecendo, dando lugar a sintomas que praticamente não nos servem para detectar a real alteração existencial, no interior de cada indivíduo, (o que nos leva às discussões sobre o valor real dos sintomas e de sua supressão). 

Rio de Janeiro, maio de 1999

Bibliografia

Kent., J.T. , Classification of Constitution Useless in Prescribing, Lesser Writings, Haug Verlag, 1987

Kent, J.T., Lectures on Homoeopathic Philosophy, B. Jain Publishers, 1973

Kent´s Materia Medica, B. Jain Publishers, 1975

Hahnemann, S., Organon of Medicine, 6th edition, The Hahnemann Foundation, 1983

Araujo, Claudio, A Visão Semiológica de Kent e sua Aplicação na Clínica Homeopática, Tese para Livre-Docencia na Universidade do Rio de Janeiro, 1991

Araujo e Pagliaro, Swedenborg´s Influence on Kent´s Lectures of Homoeopathic Philosophy, Lyon, 1985.